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Procura-se por xis, ípsilons e zês – por Luiz GO

Esta postagem foi publicada em 29 de dezembro de 2022 e está arquivada em Colaboradores.

 

 

Procura-se por xis, ípsilons e zês

Eu adorava fazer operações de divisão com chave. O que dizer, então, da tabuada? Respondia todas as questões que a professora Natália fazia. Até então, eu pensava que em Matemática só se usavam números. Daí apareceu um maldito X, introduzido a mim pela professora Elise. “Descubra a incógnita”. Tinha vez que o X aparecia acompanhado. Elise passava os exercícios já resolvidos, assim não restavam dúvidas, exceto na hora da prova. Desde então, tal letra foge de mim com Y e Z; essa trupe é tão esguia quanto cobra d’água.

Elise ausentava-se mais que político quando o povo precisa. Fui bem-sucedido em enrolar nas provas e tirar nota azul, mas toda farsa tem seu fim. Fui descoberto e quase zerei uma prova. O ultimato foi feito: deveria tirar oito ou mais; caso contrário, eu reprovaria. Elise disse isso toda enfática. Na época, a professora sugeriu alguns livros para aprender sozinho, porém, alguns exercícios eram difíceis. Não sou de pedir ajuda, mas percebi que o momento havia chegado.

Papai e mamãe decidiram cortar a minha mesada, só voltariam a pagar mediante a minha aprovação em Matemática. A data da prova se aproximava, e nada do meu cérebro sincronizar aquelas letrinhas e números.

Por sorte, naquela época, a professora Natália morava a cinco quarteirões da minha casa. Bati palmas em frente ao portão da residência dela. De imediato, três cães vieram me recepcionar. Os latidos fizeram com que ela não demorasse.
— Fabrício? Só um momentinho, vou abrir pra você.

A jovem Natália estava de vestido vermelho com bolinhas brancas. Ela prendeu apenas um cachorro, um tal de Dourado.
— Ele chegou antes de ontem aqui. Dourado morava na rua, decidi dar comida, água e abrigo por uma noite. E não é que inventaram de roubar a minha casa ontem? Sorte ou azar, ele defendeu a nossa casa, botando pra correr os dois ladrões. Mas os safados deram um chute nele, está dolorido, está bem arisco, o coitadinho.

Pedi desculpas por aparecer ali sem ser convidado, em pleno sábado. “Sem problemas”, ela disse. Ela perguntou se eu queria tomar um chá e comer biscoitos. Falei que estava ali porque precisava de ajuda. Comentei da minha dificuldade em fazer contas.
— Mas você sempre foi um bom aluno! — Me deixando ainda mais jururu. — Qual é sua dúvida?
Sabe aqueles impasses, os quais não se sabe por onde começar sequer? Eu disse que tinha dúvidas para encontrar o X da questão.
— É sempre ele, professora!

Ela riu com respeito. Tirou da manga uma lousinha e giz. Começou do básico. Desenhou que um coco e mais uma maçã igual a 333 calorias. Embaixo, uma maçã menos um coco igual a 27. “Quantas calorias têm dois cocos menos uma maçã?” Passamos a tarde inteira com exercícios desse tipo, até que transpomos para equações com letras. Ela mostrou como o raciocínio é parecido. Saí de lá pensando em jantar frutas.

O famigerado dia chegou. A professora Elise se maquiou toda para aplicar a prova. Difícil era tirar um sorriso dela. Esse feito foi realizado ao levar-lhe uma maçã vermelha, como nos contos de fadas. Estudei feito um condenado para não ficar preso na matéria. Bom, acontece que fui um dos últimos a sair da sala. Havia alguns exercícios semelhantes aos que fiz na casa de Natália. No entanto, precisei tirar leite de pedra em algumas questões. Saí da prova sem estimativas de resultados. Ao me comparar com meus colegas, alguns resultados eram díspares.

Na aula seguinte, a professora Elise disse que ainda não havia corrigido as provas. Mas que, das provas já corrigidas, ela ficou bastante desapontada com os alunos. Disse isso de um jeito parecido com o da mamãe quando briga comigo: dedo em riste e voz alta, com um ar natural de superioridade. Nessa hora, tive vontade de ir até ela e bater os apagadores da lousa de giz no vestido todo preto dela.

Toda semana ela parecia se vestir para um enterro. Será que ela aprendeu a dar aulas com alguém ainda pior do que tal versão dela, ranzinza e sem paciência? A bronca foi dada, e ela voltou para a lousa, ia nos ensinar um novo conteúdo. Nos alertou para prestarmos mais atenção, por ser um conteúdo ainda mais difícil que o anterior.

Duas semanas depois, houve reunião de pais. Enquanto minha mãe foi ter na escola, eu já estava colocando um monte de cuecas. Não há melhor maneira de afrouxar cintadas na bunda do que cuecas. Detesto apanhar de cinto, fica um monte de vergão. Os batimentos cardíacos foram parar na boca quando mamãe fechou a porta da sala, ela disse que havia falado com Elise. A professora percebeu meu maior engajamento, ficando contente em saber do meu progresso. Só lhe restara me passar de ano.

 

 

 

Nascido em Jundiaí, Luiz Go transladou para a capital do Rio de Janeiro, para se formar em Psicologia, pela UFRJ. Palavreiro, trabalha com as palavras e é autor dos livros “Contos de Cabeceira” e “Cume de ventos velozes”, autopublicações pela Amazon. Luiz Go tem um estilo marcado pela objetividade e materialidade da frase. Aficionado por boas histórias, atua como psicólogo clínico, vivendo várias vidas em uma.

 

 

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